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Review: Assassin's Creed Mirage prova que menos é mais

Nova aventura da Ubisoft é competente, mas peca por falta de ambição

Por Pedro Henrique Lutti Lippe 04.10.2023 08H00

Cedo ou tarde, o que era velho torna-se novo mais uma vez. Oito anos após o mundo decidir que estava cansado da fórmula antiga de Assassin’s Creed, o retorno dessa mesma fórmula é recebido como o refresco de uma brisa.

Mirage celebra uma década e meia de existência da série olhando para o passado e tentando recriar de maneira minuciosa a sensação que tínhamos ao jogar Assassin’s Creed II.

O resultado é uma aventura tecnicamente impressionante, mas também muito previsível. Alguns chamarão de parcimônia, outros de falta de ambição: diferente de Black Flag ou Syndicate, o jogo não sinaliza nenhuma intenção de renovar a fórmula clássica – apenas de lembra-la. E assim, mesmo sendo uma experiência confortável, Mirage se apoia demais em memórias para ser memorável por si só.

Divulgação/Ubisoft

Velho conhecido dos jogadores de Valhalla, Basim começa o jogo como um ladrão de rua nas redondezas da Bagdá do século IX. Movido pela vontade de melhorar a vida dos outros que, assim como ele, cresceram na miséria – e também por um pouquinho de ego –, ele acaba juntando-se aos Ocultos, a organização que anos depois se transformaria na Ordem dos Assassinos.

Como protagonista, Basim é um pouco sem sal – assim como a jornada que ele traça. Assim como muitos de seus predecessores, ele parece movido por um senso de justiça genérico, e alterna constantemente entre momentos em que admite não saber de nenhuma resposta e outros em que ele paga de dono da verdade quando assassina seus alvos.

Os vilões encontrados no caminho, que são proto-Templários em busca do conhecimento dos Isu, ecoam essa mesma falta de tempero. Eles alegam fazerem as maldades que fazem por um bem maior, mas suas maquinações não parecem ter qualquer impacto na trajetória geral da franquia.

A segunda metade de Mirage tem algumas reviravoltas, mas a história como um todo segue a tradição clássica de Assassin’s Creed de frustrar por ser inconsequente perante a trama interconectada da franquia.

Divulgação/Ubisoft

Felizmente, o ato de jogar Assassin’s Creed Mirage é gostoso o suficiente para que, como faz a Ubisoft, o jogador também enxergue a narrativa como mero pano de fundo que justifica a ação.

Esqueça pontos de experiência, inimigos com barras de vida intermináveis e toda aquela bagagem restritiva dos RPGs de Assassin’s Creed: em Mirage, o que determina seu sucesso em uma missão é apenas sua habilidade no stealth ou no combate.

Basim ainda pode desbloquear novos poderes com a ajuda de pontos de habilidade, mas estes são concedidos após a conclusão de missões, e não após grindar XP. Armas e ferramentas podem ser fortalecidas com itens, mas todas funcionam do início ao fim da aventura, com a variedade existindo apenas para que jogadores optem por aquelas que se adequam mais a seu estilo de jogo.

Certos tipos de inimigos usam armaduras pesadas e só podem ser feridos com golpes nas costas ou após serem atordoados – mas mesmo eles morrem imediatamente caso sejam atacados a partir das sombras ou de uma moita.

A exploração em Assassin’s Creed é muito mais fluida e satisfatória quando a ação do jogador não é limitada por fatores arbitrários como nível de força. Aqueles mais habilidosos serão capazes de adentrar até mesmo as regiões mais fortificadas do mapa desde o início do jogo para coletar tesouros ou cumprir contratos opcionais.

Divulgação/Ubisoft

Diferente do parkour, que é controlado exatamente como nos jogos clássicos da série, o combate de Mirage tem uma sensação tátil muito mais gostosa, ainda que continue funcionando como antigamente. Aparar investidas e contra-atacar ainda é a tática vencedora para lidar com grandes grupos de inimigos, mas estes atacam de maneira mais agressiva, às vezes ao mesmo tempo que um companheiro.

Com o tempo, o jogador entende que é importante se mexer pelo cenário para controlar os inimigos ao seu redor, mesmo sabendo que isso pode fazer com que outros oponentes percebam o que está acontecendo e venham se juntar à diversão.

Não era raro eu chegar na segunda metade de um Assassin’s Creed e desistir completamente do stealth, entrando em assentamentos pronto pra peitar tudo quanto é soldado inimigo de uma só vez – isso tanto em Asssassin’s Creed clássico, quanto nos RPGs. Em Mirage, eu me dei mal praticamente toda vez que tentei fazer isso – o que não serve apenas pra tornar o combate mais satisfatório e desafiador, como também faz o jogador respeitar e valorizar o stealth.

As grandes novidades de sistemas em relação ao combate são a adição da águia Enkidu, que marca inimigos e detecta objetivos dos céus como nos RPGs da série, e um poder chamado Foco do Assassino que permite que Basim consuma uma barra para abater automaticamente inimigos em rápida sucessão – que é muito gostoso de usar.

Divulgação/Ubisoft

Outro trunfo de Mirage em comparação com os anteriores, ao menos na perspectiva de quem se afastou por puro cansaço da franquia após platinar Origins, é seu tamanho enxuto.

A Bagdá virtual do jogo ainda tem baús de tesouro, missões opcionais e até mesmo uma nova versão dos eventos globais dos RPGs (chamados, aqui, de Contos de Bagdá – breves missões em pontos específicos do mapa que você encontra organicamente), mas a experiência completa dificilmente ultrapassará as 30 horas de duração.

O design de mapa para o conteúdo opcional deixa um pouco a desejar em comparação com as áreas exploradas durante a campanha (ficar circundando um prédio por minutos até descobrir a única porta ou janela que não tá bloqueada por dentro é chato), mas a sensação ainda é a de que o conteúdo extra foi pensado com mais carinho do que, por exemplo, as infindáveis e repetitivas raides de Valhalla.

Facilita ainda a exploração saber que, aonde você for, será possível se deleitar com os belíssimos gráficos do jogo. Com exceção de algumas cenas de conversa em locais fechados, que causam estranheza pela maneira como os rostos são iluminados, Assassin’s Creed Mirage trata muito bem os olhos do jogador.

Divulgação/Ubisoft

Muito competente, Assassin’s Creed Mirage prova que 2023 não é tão diferente assim de 2007: ainda há espaço para aventuras de mundo aberto contidas, que não sentem a necessidade de ocupar meses da vida dos jogadores.

Ficou faltando um quê a mais para torna-lo especial: um twist de mecânica como a exploração naval de Black Flag, ou até mesmo algo mais simples como o carisma de um Ezio. Mas aventurar-se por Mirage ainda é reconfortante como reencontrar um velho amigo.


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