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Review: Hellblade 2 troca mecânicas por jornada cinematográfica

Sequência do sucesso da Ninja Theory pode sofrer com expectativas, mas impacta com mensagens profundas

Por Breno Deolindo 21.05.2024 05H00

Sendo sincero, o que você esperava de Hellblade 2? Anunciado em 2019 junto do Xbox Series X, o game teve muito mais pompa do que seu antecessor, de 2017, e foi revelado como um dos títulos que deveriam impulsionar as vendas do console da Microsoft. Mas a espera de cinco anos pelo jogo não foi repleta de hype e informações sobre a nova aventura de Senua — na verdade, houve bastante silêncio.

Pouquíssimos trailers e material de divulgação foram publicados pela Ninja Theory, e era até difícil de saber do que o game se tratava. Em seu trailer de revelação, o close em uma Senua agressiva apontava para uma história visceral de vingança, enquanto um vídeo mais recente, intitulado “Trailer de Senua”, já parecia algo mais intimista e próximo do primeiro jogo.

Demoraram poucos segundos desde que dei play em Senua’s Saga: Hellblade 2 para saber que ele estava bastante alinhado com o antecessor. O foco em configurações de acessibilidade e mensagens sobre psicose, literalmente nas primeiras telas, já deixavam bem claro que a assinatura cautelosa da Ninja Theory estava ali.

Pode soar clichê, mas Hellblade 2 expande aquilo que já era trazido no jogo de 2017, e a grande sacada está na forma que isso é expandido. O primeiro game, apesar da narrativa poderosa e, especialmente, do design de áudio, era simples em comandos e gameplay. Se você esperava uma jogabilidade mais complexa para a sequência, pode esquecer. O jogo abraça completamente a experiência cinematográfica.

A sensação de estar jogando uma cutscene é quase constante, e isso acontece por inúmeros motivos. Os mais óbvios são a taxa de 30 fps, a escolha pelas barras pretas nas bordas de cima e de baixo da tela, e os excelentes gráficos — defenderei com unhas e dentes que o chão de terra deste game é o melhor na história da indústria.

Sério, que chão bonito (Reprodução/Ninja Theory)

Mas há muito mais elementos de cinema: o início do jogo já traz uma sequência de escalada que faz o jogador duvidar se está, de fato, controlando Senua, e essa abordagem ocorre algumas vezes ao longo das seis horas de jogo. O som, que permanece magistral, e as excelentes atuações também somam nesse aspecto.

Incrivelmente, o próprio combate foi ajustado para manter o jogador dentro desse filme. As lutas eram a parte mais “dura” do Hellblade original, e alguns fãs esperavam uma plasticidade maior para a sequência, mas receberam batalhas bem simples em questão de comandos, e que conquistam pela coreografia.

A sensação de controle, tão presente nos games e obviamente ausente em filmes também desaparece em algumas sequências. A jornada de Senua é repleta de decisões difíceis, e os jogadores passarão por algumas situações em que irão torcer pela protagonista escolher um dos caminhos oferecidos, enquanto assistem sem poder fazer nada.

Inclusive, o único momento em que a escolha é, de fato, oferecida ao jogador, ela tem peso quase nulo e não vou negar que foi bem decepcionante.

Divulgação/Ninja Theory

Os raros momentos em que se escapa do “modo filme” são os de puzzle, que seguem bem parecidos com o do primeiro game, trazendo desafios de perspectiva para construir runas nórdicas.

A abordagem tão cinematográfica pode ser irritante para jogadores que buscam uma experiência mais convencional — honestamente, algumas sequências compostas basicamente por andar pra frente são bem entediantes. Por outro lado, esse viés funciona justamente pelo investimento narrativo. Acompanhamos a jornada completa de Senua buscando dar liberdade para seu povo, e transformar isso em sequências longas de batalhas simplesmente não faria sentido.

O apelo aqui é outro. Como um prego, a insegurança da protagonista é martelada em doses homeopáticas durante os seis capítulos. As vozes que conversam constantemente com ela; a sombra de um pai abusivo; as dificuldades de se confiar em um novo rosto; os intrínsecos desafios de sua jornada. Todas essas tensões vão lentamente se acumulando para atingir um final catártico.

Divulgação/Ninja Theory

Essa construção é o maior mérito da Ninja Theory, e conversa totalmente com aquilo que a desenvolvedora vem fazendo nos últimos anos. Parcerias com universidades e um esforço genuíno para entender distúrbios que afetam a mente humana ficam escancarados em Hellblade 2.

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A mensagem é um pouco mais difusa do que no primeiro jogo, que aborda o luto e a perda de forma bastante direta. Essa temática também está presente, mas se mistura com outras nuances — a solidão e a importância de uma comunidade; o destino e a possibilidade de escapar das suas raízes.

Por ser mais diluído, o impacto emotivo de Senua’s Saga pode ser um pouco mais discreto em comparação com o antecessor, que ainda é a recomendação imediata quando se fala de saúde mental em video games. Mas é difícil cravar; alguns assuntos tratados certamente terão efeitos variados sobre diferentes jogadores, e vale a pena observar como as sutilezas do enredo serão recebidas por cada um.

Hellblade 2 é o tipo de jogo impossível de ignorar. Seja pelos trechos que flertam com games de terror, pelos visuais incríveis ou por sua história profunda, o novo título da Ninja Theory vai te deixar pensativo por um tempo, e não é exagero dizer que ele redefine experiências cinematográficas em games.

Nota do crítico