O Steam Deck talvez seja a plataforma de games favorita de jogar nos últimos anos.

E eu só tive acesso a ele por 10 dias.

Minhas expectativas para o Deck já eram altas desde o lançamento dele, no início de 2022, já que ao que tudo indicava a Valve finalmente tinha conseguido acertar em cheio em um hardware – depois de anos tentando, seja com dispositivos de menor porte como o Steam Link, ou fracassos reais como as Steam Machines.

Steam Machine

(Lembra das Steam Machines? A Valve não quer que ninguém lembre)

Reprodução/Alienware

Essas expectativas foram mais do que superadas durante os dias de teste, já que o Steam Deck não só cumpre a proposta de rodar (certos) jogos de última geração de forma portátil, como também convida o usuário a testar e explorar as capacidades dele do jeito que achar melhor.

E, de certa forma, testar o Deck com mais de um ano de atraso é uma benção, já que não só o catálogo de games expandiu, como a Valve passou esse tempo refinando, corrigindo e melhorando a experiência de uso.

Pequeno gigante

A primeira coisa que se nota no Steam Deck é a sua portabilidade.

No sentido de que ele desafia as convenções do termo.

Steam Deck vs Nintendo Switch

O Steam Deck em comparação ao meu Nintendo Switch

Victor Ferreira/The Enemy

Com dimensões de 29,8 cm de largura, 11,7 cm de altura, e 4,9 cm de profundidade, é importante ressaltar o quão grande o Steam Deck é para um dispositivo portátil.

A versão básica do Switch tem 24,2 cm de largura, 10,2 cm de altura e 1,4 cm de profundidade. Se só números já mostram uma diferença absurda de tamanho, o olhômetro deixa isso ainda mais em evidência, com o videogame da Nintendo ficando positivamente nanico perto do Deck.

Os principais fatores que levam a esse tamanho está em pequena parte pela tela de toque de 7 polegadas em relação às 6,1 polegadas do Switch tradicional, mas principalmente graças aos touchpads, que ocupam um tamanho considerável de cada lado da frente do dispositivo.

Pelo lado positivo, esse tamanho não afeta tanto o peso do Steam Deck, que é ligeiramente mais pesado que o Switch, mas não de um jeito muito absurdo.

Steam Deck
Valve/Divulgação

E, sendo portador de duas mãos gigantes, devo admitir que as dimensões do Deck não foram um grande problema pra mim. Não só isso, os encaixes de mão dele são bem mais confortáveis em relação aos Joy-Con tradicionais.

O esquema de botões lembra muito o dos controles de Xbox, com exceção do posicionamento dos direcionais, que lembra mais a do DualShock/DualSense – o que faz sentido, já que assim os analógicos ficam lado a lado com a tela, e acima dos touchpads.

Isso sem falar nos quatro botões localizados na parte traseira, que pra mim foram particularmente úteis quando eu precisava do equivalente de botões de mouse (eu não sou muito criativo em termos de customização de botões)

No geral é um esquema que me agradou bastante na hora de jogar.

Muito além do "Switch Pro"

É neste ponto do texto que eu preciso dividir algo com você, queride leitor:

Eu não sou muito de jogar coisas em portáteis.

Admito que isso é uma falha de caráter meu, de certa forma, e que perdi a oportunidade de jogar títulos excelentes na época que eles saíram – Ghost Trick, Virtue's Last Reward, entre outros.

Para ser justo eu até tive afeição por um portátil recente...

... Mas infelizmente foi este aqui.

Até com o Switch, em geral, eu prefiro a experiência em dock e jogando na TV via Pro Controller do que no modo portátil.

Essa volta toda foi para dar o contexto de que acho nunca curti tanto jogar um portátil como com o Steam Deck.

Além de considerar ele bem mais confortável de segurar do que o Switch (apesar do peso e tamanho maiores), há um simples fato de que não dá pra rodar Sekiro e Death Stranding no console da Nintendo.

Mesmo que, para isso, você tenha que fazer concessões.

É sempre importante ressaltar que o SteamOS, o sistema operacional do Steam Deck, é baseado em Linux. E, comparado ao Windows, ele conta com uma seleção mais limitada.

Tenho uma biblioteca com mais de mil jogos na minha conta pessoal do Steam, e a aba de "Ótimos no Deck" contava com menos de 250 deles.

Mas é importante notar que esses não são os únicos títulos da minha biblioteca que rodam no Deck, com centenas de outros ainda sendo considerados pelo menos "jogáveis" pela plataforma.

Também vale notar que esse catálogo está em crescimento constante, especialmente graças ao Proton, a ferramenta desenvolvida pela própria Valve para dar compatibilidade ao Linux para jogos que antes só rodavam em Windows (ou, raramente, em Windows e Mac)

No geral, a interface do Steam Deck revela quais seriam as limitações dos usuários ao tentar jogar um jogo que não foi otimizado para o sistema, de questões envolvendo uso de mouse e teclado até o tamanho da letra dos menus, legendas e sistemas.

E, sendo sincero, há vários exemplos de jogos fora do eixo "Ótimos no Deck" que rodam muito bem, enquanto supostos títulos otimizados tem uma performance bem duvidosa nele, mesmo nas configurações mínimas.

Talvez o mais chocante desses casos nos meus testes tenha sido Life is Strange: True Colors, um jogo que eu genuinamente não esperava ter uma performance tão sofrida, mas que penava pra chegar nos 20 fps.

Em comparação, títulos como Sekiro e Death Stranding alcançavam tranquilamente a faixa dos 40 a 50 fps, e Sekiro chegou a bater 55 fps colocando as configurações no mínimo.

Como eu disse, às vezes é preciso conceder a qualidade visual pra uma melhor performance... mas honestamente, não acho que uma alta fidelidade visual seja o ponto da experiência do Steam Deck, levando em conta a tela em LCD e a resolução relativamente baixa.

Na dúvida, é sempre bom usar o ProtonDB, que conta com relatos e avaliações dos próprios usuários sobre quais jogos funcionam bem, mal ou mais ou menos – e como resolver possíveis problemas.

O armazenamento também pode ser um problema dependendo do que tiver em mãos: a versão que eu testei tinha 256 GB, que foi rapidamente consumida por jogos maiores.

Pelo menos você pode expandir ela por meio de cartões microSD, e não há uma perda muito significativa de performance entre jogos instalados nos cartões e na memória do Deck em si.

De qualquer forma, o que esses jogos mais pesados exigem mesmo é a bateria do portátil, já que dificilmente ela durou mais de 2 horas com eles.

É verdade que, nas configurações iniciais, o Deck gasta energia demais, com potência máxima de 15 watts na CPU – algo que não é necessário em, diria, 90% dos jogos compatíveis – e minha sugestão é de diminuir isso assim que possível. Ainda assim, nesses casos a bateria ainda é drenada bem rapidamente.

Jogos um pouco mais velhos, como Metal Gear Rising e Vanquish, rodam bem mais suavemente, com 60 fps constante e um gasto de bateria um pouco menor.

E os jogos indie, que costumam ser os únicos que acabo jogando com o Switch no modo portátil, são igualmente prazerosos de jogar no Deck – de Hollow Knight a Disco Elysium.

Cheguei até a testar alguns jogos que você provavelmente não gostaria de jogar na plataforma, como Age of Empires II.

Foram muitos minutos reconfigurando os controles pra tentar um simulacro de mouse e teclado, e Deus tenha piedade de quem tentar jogar multiplayer de um jogo assim nele.

Mas é tecnicamente possível.

Sem falar que, embora ele só tenha uma entrada USB-C, é possível conectar um teclado e mouse ao portátil via Bluetooth.

E eu recomendo tê-los em mão caso queira desbloquear o verdadeiro potencial do Steam Deck.

Tirando as rodinhas

É possível rodar até rodar o Windows no Steam Deck - mas não foi algo que eu testei a tempo, infelizmente

O elemento mais legal de usar o Steam Deck é sua versatilidade: você pode tornar sua experiência tão simples ou complexa quanto quiser.

Quem quiser ficar só no Gaming Mode e jogar o que estiver disponível na sua biblioteca vai ter uma ótima experiência portátil, ao meu ver.

Mas, acho que vale a pena tomar coragem, apertar o botão de Liga/Desliga, e selecionar a opção de ir para a Área de Trabalho do Steam Deck.

Porque é lá que as possibilidades do Steam Deck se expandem significativamente.

É importante lembrar que o Deck é, para todos os propósitos, um computador – um tanto diferenciado, e com um sistema operacional que a maioria das pessoas nunca interagiu antes.

Mas ainda assim, um pequeno computador.

O que significa que você pode instalar os mais diferentes tipos de programas nele.

Em 2012, Gabe Newell criticou a Microsoft pelo ecossistema fechado do Windows 8. Em 2013, ele disse que Linux era o futuro dos videogames.

Uma década mais tarde, e não dá pra dizer que a Valve não tem se esforçado para tornar a visão dele em uma realidade.

Até para mim, uma pessoa sem a menor intimidade com Linux até o momento em que coloquei as mãos no Deck, o SteamOS é um sistema bem intuitivo e relativamente fácil de usar para quem estiver acostumado com Windows.

"Relativamente" sendo a palavra-chave, claro. Tem coisas que eu não tentei por achar que não tinha um bom conhecimento, e não teria tempo para entender melhor antes de devolver o portátil.

O bom é que a comunidade que se formou ao redor do Steam Deck é extremamente comunicativa, e há vários guias sobre coisas simples e mais complexas que você pode fazer com ele.

Há inclusive um site em português do Brasil dedicado a guiar usuários do Steam Deck. O nome dele é, apropriadamente, O Guia do Steam Deck.

Guia do Steam Deck

Por meio da área de trabalho, é possível instalar desde navegadores como o Chrome e o Edge – que, por meio de um guia da própria Microsoft, pode virar um app de Xbox Cloud Gaming – até jogos de outras plataformas digitais, incluindo a Epic Games Store e o GOG.

Utilizando o aplicativo Heroic Games Launcher, eu consegui atrelar minhas contas dessas lojas e baixar alguns jogos, sendo possível ver até o nível de compatibilidade graças ao ProtonDB.

(E sim, também é possível baixar emuladores – lembrando que emuladores não são ilegais, embora certamente sejam grande fonte de treta no próprio Steam)

O bom também é que – ainda que certas coisas precisem de uns ajustes – jogos e aplicativos baixados na área de trabalho aparecem na interface do Gaming Mode, sob a aba "Não Steam".

Com apenas dez dias de teste, sinto que só arranhei a superfície do que poderia fazer na área de trabalho do SteamOS, mas só esse arranho me deu vontade de estudar e entender melhor a plataforma, de saber mais como mexer e adaptá-la aos meus interesses e à minha experiência ideal.

E acredito que esse possa ser o legado do Steam Deck.

O futuro

Como produto, o Steam Deck não tem a menor possibilidade de alcançar o número de vendas do Switch. E duvido que alguém na Valve tenha qualquer ilusão disso.

Mas, ao meu ver, ele pode representar uma mudança em como interagimos e apreciamos o jeito de jogar e explorar os videogames – e o motivo pelo qual fiquei com coração apertado na hora de devolvê-lo.

(Especialmente considerando o quanto os preços dele variam de R$ 4 mil para mais de R$ 6 mil, dependendo do modelo)

Da mesma forma que o Switch é uma ponte entre o console doméstico e o portátil, o Steam Deck pode vir a ser uma ponte entre o console tradicional e o PC.

O Xbox Series e o PlayStation 5 são, à sua própria maneira, computadores dedicados a atividades específicas, mas limitados pelas diretrizes das suas próprias empresas. A Nintendo então, nem se fala.

O Steam Deck também é uma plataforma dedicada a jogos, mas com uma filosofia de design mais voltada para o open source e a contribuição comunitária.

E, por isso, vejo ela com um potencial de evolução muito maior e mais interessante do que a das grandes fabricantes de consoles.

Não me entenda mal ao achar que a Valve é uma empresa "boazinha" ou qualquer coisa do tipo. Ela é, afinal, a companhia que lucra rios de dinheiro com práticas... esquisitas... envolvendo skins.

Mas, enquanto outras companhias se mostram cada vez mais dispostas a não te dar muita posse sobre os consoles e jogos que você compra, o Steam Deck parece oferecer uma experiência mais aberta à experimentação, tanto por seus criadores quanto por seus usuários.

E isso é o direcionamento mais positivo para a indústria de games que eu consigo enxergar neste momento.

Nota do crítico